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24 de Abril de 2024
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    Entendimento do Supremo STJ segue HC coletivo e concede prisão domiciliar a mãe de criança.

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    Publicado por Carla Setúbal
    há 6 anos


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    HABEAS CORPUS 143.641 SÃO PAULO RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI PACTE.(S) :TODAS AS MULHERES SUBMETIDAS À PRISÃO CAUTELAR NO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL, QUE OSTENTEM A CONDIÇÃO DE GESTANTES, DE PUÉRPERAS OU DE MÃES COM CRIANÇAS COM ATÉ 12 ANOS DE IDADE SOB SUA RESPONSABILIDADE, E DAS PRÓPRIAS CRIANÇAS IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL ASSIST.(S) :TODOS OS MEMBROS DO COLETIVO DE ADVOGADOS EM DIREITOS HUMANOS - CADHU ASSIST.(S) :ELOISA MACHADO DE ALMEIDA ASSIST.(S) :HILEM ESTEFANIA COSME DE OLIVEIRA ASSIST.(S) :NATHALIE FRAGOSO E SILVA FERRO ASSIST.(S) :ANDRE FERREIRA ASSIST.(S) :BRUNA SOARES ANGOTTI BATISTA DE ANDRADE COATOR (A/S)(ES) :JUÍZES E JUÍZAS DAS VARAS CRIMINAIS ESTADUAIS COATOR (A/S)(ES) :TRIBUNAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS COATOR (A/S)(ES) :JUÍZES E JUÍZAS FEDERAIS COM COMPETÊNCIA CRIMINAL COATOR (A/S)(ES) :TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS COATOR (A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO Revisado HC 143641 / SP ESPÍRITO SANTO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIAS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PARÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA PARAIBA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PIAUÍ ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RORAIMA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SERGIPE ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO 2 Revisado HC 143641 / SP PAULO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA BAHIA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO DISTRITO FEDERAL AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO AM. CURIAE. :INSTITUTO BRASILEIRO DE CIENCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM AM. CURIAE. :INSTITUTO TERRA TRABALHO E CIDADANIA ITTC AM. CURIAE. :PASTORAL CARCERÁRIA ADV.(A/S) :MAURICIO STEGEMANN DIETER E OUTRO (A/S) AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL AM. CURIAE. :INSTITUTO ALANA ADV.(A/S) :GUILHERME RAVAGLIA TEIXEIRA PERISSE DUARTE E OUTRO (A/S) 3 Revisado HC 143641 / SP AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA (ABRASCO) ADV.(A/S) :MARCIA BUENO SCATOLIN E OUTRO (A/S) AM. CURIAE. :INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA - MÁRCIO THOMAZ BASTOS (IDDD) ADV.(A/S) :GUSTAVO DE CASTRO TURBIANI E OUTRO (A/S) R E L A T Ó R I O O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Eloísa Machado de Almeida, Bruna Soares Angotti, André Ferreira, Nathalie Fragoso e Hilem Oliveira, membros do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, impetraram habeas corpus coletivo, com pedido de medida liminar, em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade, bem como em nome das próprias crianças. Afirmaram que a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pósparto, e ainda privando as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa. Asseveraram que a política criminal responsável pelo expressivo encarceramento feminino é discriminatória e seletiva, impactando de forma desproporcional as mulheres pobres e suas famílias. Enfatizaram o cabimento de habeas corpus coletivo na defesa da liberdade de locomoção de determinados grupos de pessoas, com fulcro na garantia de acesso à Justiça, e considerado o caráter sistemático de práticas que resultam em violação maciça de direitos. Nesse sentido, 4 Revisado HC 143641 / SP invocaram o art. 25, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que garante o direito a um instrumento processual simples, rápido e efetivo, apto a tutelar direitos fundamentais lesionados ou ameaçados. Salientaram o caráter sistemático das violações, no âmbito da prisão cautelar a que estão sujeitas gestantes e mães de crianças, em razão de falhas estruturais de acesso à Justiça, consubstanciadas em obstáculos econômicos, sociais e culturais. Aduziram que a competência para julgamento do feito é do Supremo Tribunal Federal, tanto pela abrangência do pedido quanto pelo fato de o Superior Tribunal de Justiça figurar entre as autoridades coatoras. Ressaltaram que os estabelecimentos prisionais não são preparados de forma adequada para atender à mulher presa, especialmente a gestante e a que é mãe. Relataram que, com a entrada em vigor da Lei 13.257/2016, a qual alterou o Código de Processo Penal para possibilitar a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças, o Poder Judiciário vem sendo provocado a decidir sobre a substituição daquela prisão por esta outra, nos casos especificados pela Lei, porém, em aproximadamente metade dos casos, o pedido foi indeferido. Informaram que as razões para o indeferimento estariam relacionados à gravidade do delito supostamente praticado pelas detidas e também à necessidade de prova da inadequação do ambiente carcerário no caso concreto. Aduziram que esses argumentos não têm consistência, uma vez que a gravidade do crime não pode ser, por si só, motivo para manutenção da prisão, e que, além disso, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu o 5 Revisado HC 143641 / SP estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. Disseram que se faz necessário reconhecer a condição especial da mulher no cárcere, sobretudo da mulher pobre que, privada de acesso à Justiça, vê-se também destituída do direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Insistiram em que essa soma de privações acaba por gerar um quadro de excessivo encarceramento preventivo de mulheres pobres, as quais, sendo gestantes ou mães de criança, fariam jus à substituição prevista em lei. Asseveraram que a limitação do alcance da atenção pré-natal, que já rendeu ao Brasil uma condenação pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (caso Alyne da Silva Pimentel versus Brasil), atinge, no sistema prisional, níveis dramáticos, ferindo direitos não só da mulher, mas também de seus dependentes, ademais de impactar o quadro geral de saúde pública, bem como infringir o direito à proteção integral da criança e o preceito que lhe confere prioridade absoluta. Citaram casos graves de violações dos direitos das gestantes e de seus filhos, e realçaram que esses males poderiam ser evitados, porque muitas das pessoas presas preventivamente no Brasil são, ao final, absolvidas, ou têm a pena privativa de liberdade substituída por penas alternativas. Acrescentaram que, segundo dados oficiais, faltam berçários e centros materno-infantis e que, em razão disso, as crianças se ressentem da falta de condições propícias para seu desenvolvimento, o que não só afeta sua capacidade de aprendizagem e de socialização, como também vulnera gravemente seus direitos constitucionais, convencionais e legais. 6 Revisado HC 143641 / SP Arguiram que, embora a Lei de Execução Penal (LEP) determine como obrigatória, nos estabelecimentos penais, a presença de instalações para atendimento a gestantes e crianças, essas disposições legais vêm sendo sistematicamente desrespeitadas. Argumentaram que, embora a substituição da prisão preventiva pela domiciliar não seja direito subjetivo da gestante e da mãe, elas têm outros direitos que estão sendo desrespeitados, não se podendo penalizá-las pela falta de estrutura estatal adequada para fazê-los valer. Nesses casos, disseram, é o direito de punir, e não o direito à vida, à integridade e à liberdade individual, que deve ser mitigado, como se decidiu quando a Suprema Corte declarou ser inadmissível que presos cumpram pena em regime mais gravoso do que aquele ao qual foram condenados, ou em contêineres, aduzindo que, em tais casos, a ordem de habeas corpus foi estendida aos presos na mesma situação. Destacaram também a vulnerabilidade socioeconômica das mulheres presas preventivamente no Brasil. Requereram, por fim, a concessão da ordem para revogação da prisão preventiva decretada contra todas as gestantes puérperas e mães de crianças, ou sua substituição pela prisão domiciliar. A Defensoria Pública do Estado do Ceará pleiteou seu ingresso como custos vulnerabilis ou, subsidiariamente, como amicus curiae (documento eletrônico 7). Enfatizou ser órgão interveniente na execução penal para a defesa das pessoas presas, que formam um grupo extremamente vulnerável, e que sua atuação como guardiã dos vulneráveis tem por fundamento o art. 134 da Constituição e o art. , XI, da Lei Complementar 80/1994. 7 Revisado HC 143641 / SP Afirmou que, caso assim não se entenda, deve ser aceita para atuar como amicus curiae, na medida em que o presente habeas corpus é coletivo. No mérito, postulou a aplicação do princípio da intranscendência, segundo o qual a pena não pode passar da pessoa do condenado, e do princípio da primazia dos direitos da criança, asseverando que tais postulados têm sido ofendidos sistematicamente pela manutenção de prisão preventiva de mulheres e de suas crianças em ambiente inadequado e superlotado. Insistiu em que a leitura correta da Lei 13.257/2016 é a de que não há necessidade de satisfazer-se outras condições, salvo as expressas na própria lei, para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Na sequência, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do writ, sob alegação de que é manifestamente incabível o habeas corpus coletivo, ante a impossibilidade de concessão de ordem genérica, sem individualização do seu beneficiário e de expedição de salvo-conduto a um número indeterminado de pessoas (documento eletrônico 12). Ressaltou, ainda, que não cabe ao Supremo Tribunal o julgamento do feito, haja vista não terem sido indicados atos coatores específicos imputáveis ao Superior Tribunal de Justiça. Ato contínuo, houve nova manifestação da Defensoria Pública do Estado do Ceará juntando documentos que permitem identificar, no que tange às presas do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, aquelas que são mães de crianças e que estão presas provisoriamente em unidade superlotada (documento eletrônico 13). Persistiu assentando que deve ser superado o prisma individualista do habeas corpus por meio de uma leitura constitucional e sistêmica, de 8 Revisado HC 143641 / SP modo a admitir-se a identificação das beneficiárias da ordem durante a tramitação ou ao final do writ, ou mesmo na oportunidade da execução da ordem, tendo em consideração a transitoriedade da condição de presas preventivas e a fim de garantir tratamento isonômico a estas. O acolhimento do HC, tal como impetrado, ponderou, ensejará economia de recursos e maior celeridade para o julgamento de feitos criminais e ampliará o espectro de abrangência de tal instrumento, permitindo evitar a multiplicação de processos semelhantes. Citou exemplos de writs que tramitaram no Supremo Tribunal Federal nos quais não houve a identificação dos pacientes, e que nem por isso tiveram seu andamento interrompido ou suspenso (Habeas Corpus 118.536 MC/SP e o Habeas Corpus 119.753/SP), bem como aqueles em que a ordem foi estendida a outras pessoas sofrendo o mesmo tipo de coação ilegal. Asseverou ser inequívoca a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento do feito, diante da existência de inúmeros acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça em que aquela Corte exigiu o cumprimento de requisitos outros, além dos constantes do art. 318 do Código de Processo Penal, para a substituição de preventiva por domiciliar. Listou como exemplificativos dessa postura do Superior Tribunal de Justiça os Habeas Corpus 352.467, 399.760, 397.498, em que figuram como pacientes presas preventivas devidamente identificadas. Ressaltou que, no Supremo Tribunal Federal, também estaria se firmando a tese segundo a qual a mera de inocorrência dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal seria suficiente para deferimento da substituição. Acrescentou que o acolhimento deste habeas corpus coletivo constituiria uma possibilidade para se repensar e dar aplicabilidade ao 9 Revisado HC 143641 / SP espírito democrático dessa alteração legislativa, a qual concretiza diretrizes constitucionais de proteção à infância. Reiterou, de resto, seus pleitos anteriores, sobretudo quanto à admissão de sua participação como custos vulnerabilis. Na sequência, peticionou a Defensoria Pública do Estado do Paraná, requerendo sua habilitação nos autos como custos vulnerabilis ou, subsidiariamente, como amicus curiae (documento eletrônico 19). Invocou a aplicação de dispositivos constitucionais e convencionais que justificariam o acolhimento dos pleitos deste habeas corpus, requerendo a concessão da ordem, bem assim a intimação do Defensor Público-Geral Federal de maneira a provocar a sua atuação como guardião das pessoas vulneráveis. Posteriormente, determinei a expedição de ofício ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) para que: (i) indicasse, dentre a população de mulheres presas preventivamente, quais se encontram em gestação ou são mães de crianças e (ii) informasse, com relação às unidades prisionais onde estiverem custodiadas, quais dispõem de escolta para garantia de cuidados pré-natais, assistência médica adequada, inclusive pré-natal e pós-parto, berçários e creches, e quais delas estão funcionando com número de presas superior à sua capacidade. Deferi, na mesma oportunidade, a intimação do Defensor PúblicoGeral Federal, para que esclarecesse sobre seu interesse em atuar neste feito (documento eletrônico 21). A Defensoria Pública da União ingressou no feito, ponderando ser essencial sua participação, seja pelos reflexos da decisão nos direitos de um grupo vulnerável, seja por sua expertise nos temas objeto do presente 10 Revisado HC 143641 / SP habeas corpus (documento eletrônico 29). Quanto às questões de fundo, sustentou, primeiramente, a possibilidade de impetração de habeas corpus coletivo, invocando para tanto o histórico da doutrina brasileira do habeas corpus, a existência do mandado de segurança e do mandado de injunção coletivos e a legitimação da Defensoria Pública para a propositura deste último, tudo a demonstrar (i) a caminhada das ações constitucionais em direção às soluções coletivas e (ii) o reconhecimento da representatividade da Defensoria Pública. Acrescentou que, embora seja indiscutível que várias situações tuteláveis por habeas corpus dependam de análises individuais pormenorizadas, outras há em que os conflitos podem ser resolvidos coletivamente. Citou como exemplo o caso do Habeas Corpus 118.536, em cujo bojo a Procuradoria-Geral da República ofertou parecer pelo conhecimento do writ e pela concessão da ordem. Ademais, defendeu o direito que assiste às mães de crianças sob sua responsabilidade e às gestantes de não se verem recolhidas à prisão preventiva, ressaltando ser comum a situação da mulher presa cautelarmente que é, ao final, condenada à pena restritiva de direito, o que não reverte os danos sofridos pela mãe e pela criança. Enfatizou que são vários os precedentes do Supremo Tribunal Federal em prol da tese constante da inicial, requerendo sua admissão para atuar no feito, para ao final, pleitear, no mérito, a concessão da ordem. O Departamento Penitenciário do Estado do Paraná apresentou os dados de mulheres presas na Penitenciária Feminina daquele Estado, cumprindo a decisão anterior de minha lavra (documento eletrônico 31). 11 Revisado HC 143641 / SP A seguir, afirmei o cabimento do habeas corpus coletivo mas estabeleci algumas premissas para seu conhecimento, mormente no que tange à legitimação ativa, que entendi, por analogia à legislação referente ao mandado de injunção coletivo, ser da Defensoria Pública da União, por tratar-se de ação cujos efeitos podem ter abrangência nacional (documento eletrônico 32). O DEPEN apresentou parte das informações que lhe foram requisitadas por mim em 27 de junho de 2017 (documento eletrônico 36). A Procuradoria-Geral da República reiterou sua manifestação anterior no sentido de não conhecimento do habeas corpus (documento eletrônico 37). As Defensorias Públicas de São Paulo, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins requereram a respectiva habilitação na qualidade de amici curiae (documento eletrônico 42). Já a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso requereu sua admissão no processo como custos vulnerabilis ou, subsidiariamente, como assistente (documento eletrônico 44). Pleiteou, ainda, o acolhimento dos pedidos iniciais. Na sequência, por analogia ao art. 80 do Código de Processo Penal, determinei o desmembramento do feito quanto aos Estados do Amapá, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Sergipe, São Paulo e Tocantins, tendo em conta que estes ainda não haviam prestado as informações requisitadas (documento eletrônico 53). O desmembramento deu origem ao Habeas Corpus 149.521/2017. Na mesma oportunidade, acolhi a argumentação das Defensorias Públicas Estaduais para atribuir-lhes a condição de amici curiae nestes autos. 12 Revisado HC 143641 / SP A Procuradoria-Geral da República apresentou parecer final, em que insistiu no descabimento do habeas corpus coletivo, por cuidar-se de direitos de coletividades indeterminadas e indetermináveis, com reflexos inclusive futuros, bem como pela imprescindibilidade de exame da eventual situação de constrangimento no caso concreto (documento eletrônico 73) Argumentou que o habeas corpus serve à proteção direta e imediata do direito individual à liberdade de locomoção, não podendo ser concedido de forma genérica, sob pena de converter-se em súmula vinculante ou instrumento de política pública criminal. Asseverou, mais, que não foi apontado ato concreto da corte ad quem, e que o Superior Tribunal de Justiça não pode ser considerado autoridade coatora apenas pelo fato de haver negado, no passado, o benefício a algumas mulheres, haja vista que este tem apreciado cada pedido de forma individualizada, inclusive com o deferimento de inúmeros pedidos de cumprimento de prisão preventiva em regime domiciliar com fundamento no Estatuto da Primeira Infância. Aduziu que a maternidade não pode ser uma garantia contra a prisão, porque o art. 318 do Código de Processo Penal não estabelece direito subjetivo automático, asseverando que o objetivo da norma é tutelar direitos da criança, e não da mãe, cuja liberdade pode até representar um risco para esta. Ao final, o Instituto Alana requereu sua admissão como amicus curiae, enfatizando a importância deste habeas corpus coletivo para assegurar os direitos dos menores, especialmente para dar concreção à norma que confere prioridade absoluta aos direitos de crianças e adolescentes, na medida em que o art. 227 da Constituição ser compreendido como norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. 13 Revisado HC 143641 / SP Requereu, assim, a procedência do pedido inicial, bem como a “a concessão, de ofício, de habeas corpus às adolescentes que estão em situação análoga, ou seja, gestantes ou mães internadas provisoriamente, para colocá-las em liberdade, uma vez que as violações impostas aos direitos das crianças são essencialmente as mesmas”. O Instituto de Defesa do Direito de Defesa – Márcio Thomaz Bastos (IDDD) requereu sua admissão como amicus curiae, a qual deferi. No mérito, manifestou-se pela concessão da ordem. É o relatório. 14 Revisado HABEAS CORPUS 143.641 SÃO PAULO V O T O O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos, ressalto, de início, que os argumentos que envolvem a preliminar de não conhecimento de habeas corpus coletivo têm sido objeto de reflexão nesta Casa e na própria Procuradoria-Geral da República. E estes, bem sopesados, levam-me a concluir, com a devida vênia dos que entendem diversamente, pelo cabimento do habeas corpus coletivo. Com efeito, segundo constatei no Recurso Extraordinário 612.043- PR, os distintos grupos sociais, atualmente, vêm se digladiando, em defesa de seus direitos e interesses, cada vez mais, com organizações burocráticas estatais e não estatais (Cf. FISS, O. Um Novo Processo Civil: Estudos Norte-Americanos sobre Jurisdição, Constituição e Sociedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004). Dentro desse quadro, a ação coletiva emerge como sendo talvez a única solução viável para garantir o efetivo acesso destes à Justiça, em especial dos grupos mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico. De forma coerente com essa realidade, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, com crescente generosidade, os mais diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com situações em que os direitos e interesses de determinadas coletividades estão sob risco de sofrer lesões graves. A título de exemplo, vem permitindo a ampla utilização da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim como do Mandado de Injunção coletivo. Este último, convém lembrar, foi aceito corajosamente por esta Corte já em 1994, muito antes, portanto, de sua expressa previsão legal, valendo lembrar o Mandado de Injunção 20-4 DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, em que este afirmou: “A orientação jurisprudencial adotada pelo Supremo Tribunal Federal prestigia (...) a doutrina que considera irrelevante, para efeito de justificar a admissibilidade de ação Revisado HC 143641 / SP injuncional coletiva, a circunstância de inexistir previsão constitucional a respeito (...)”. Com maior razão, penso eu, deve-se autorizar o emprego do presente writ coletivo, dado o fato de que se trata de um instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais preciosos do homem, que é a liberdade. Com isso, ademais, estar-se-á honrando a venerável tradição jurídica pátria, consubstanciada na doutrina brasileira do habeas corpus, a qual confere a maior amplitude possível ao remédio heroico, e que encontrou em Ruy Barbosa quiçá o seu maior defensor. Segundo essa doutrina, se existe um direito fundamental violado, há de existir no ordenamento jurídico um remédio processual à altura da lesão. À toda a evidência, quando o bem jurídico ofendido é o direto de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo pessoas determinado, o instrumento processual para resgatá-lo é o habeas corpus individual ou coletivo. É que, na sociedade contemporânea, burocratizada e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados. Como o processo de formação das demandas é complexo, já que composto por diversas fases - nomear, culpar e pleitear, na ilustrativa lição da doutrina norte-americana (Cf. FELSTINER, W. L. F.; ABEL, R. L.; SARAT, A. The Emergence and Transformation of Disputes: Naming, Blaming, Claiming. Law & Society Review, v. 15, n. 3/4, 1980), é razoável supor que muitos direitos deixarão de ser pleiteados porque os grupos mais vulneráveis - dentre os quais estão os das pessoas presas - não saberão reconhecê-las nem tampouco vocalizá-los. Foi com semelhante dilema que se deparou a Suprema Corte 2 Revisado HC 143641 / SP argentina no famoso “caso Verbitsky”. Naquele país, assim como no Brasil, inexiste previsão constitucional expressa de habeas corpus coletivo, mas essa omissão legislativa não impediu o conhecimento desse tipo de writ pela Corte da nação vizinha. No julgamento em questão, o habeas corpus coletivo foi considerado, pela maioria dos membros do Supremo Tribunal, como sendo o remédio mais compatível com a natureza dos direitos a serem tutelados, os quais, tal como na presente hipótese, diziam respeito ao direito de pessoas presas em condições insalubres. É importante destacar que a Suprema Corte argentina recorreu não apenas aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do acesso universal à Justiça, como também ao direito convencional, sobretudo às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, de maneira a fundamentar a decisão a que chegou, na qual determinou tanto aos tribunais que lhe são hierarquicamente inferiores quanto aos Poderes Executivo e Legislativo a tomada de medidas para sanar a situação de inconstitucionalidade e inconvencionalidade a que estavam sujeitos os presos. Vale ressaltar que, para além de tradições jurídicas similares, temos com a República Argentina também um direito convencional comum, circunstância que deve fazer, a meu juízo, com que o STF chegue a conclusões análogas àquela Corte de Justiça, de modo a excogitar remédios processuais aptos a combater as ofensas maciças às normas constitucionais e convencionais relativas aos direitos das pessoas, sobretudo aquelas que se encontram sob custódia do Estado. No Brasil, ao par da já citada doutrina brasileira do habeas corpus, que integra a épica história do instituto em questão, e mostra o quanto ele pode ser maleável diante de lesões a direitos fundamentais, existem ainda dispositivos legais que encorajam a superação do posicionamento que defende o não cabimento do writ na forma coletiva. 3 Revisado HC 143641 / SP Nessa linha, destaco o art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, que preconiza a competência de juízes e os tribunais para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofreu ou está na iminência de sofrer coação ilegal. A faculdade de concessão, ainda que de ofício, do writ, revela o quanto o remédio heroico é flexível e estruturado de modo a combater, de forma célere e eficaz, as ameaças e lesões a direitos relacionados ao status libertatis. Indispensável destacar, ainda, que a ordem pode ser estendida a todos que se encontram na mesma situação de pacientes beneficiados com o writ, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. A impetração coletiva vem sendo conhecida e provida em outras instâncias do Poder Judiciário, tal como ocorreu no Habeas Corpus 1080118354-9, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e nos Habeas Corpus 207.720/SP e 142.513/ES, ambos do Superior Tribunal de Justiça. Neste último, a extensão da ordem a todos os que estavam na mesma situação do paciente transformou o habeas corpus individual em legítimo instrumento processual coletivo, por meio do qual se determinou a substituição da prisão em contêiner pela domiciliar. A existência de outras ferramentas disponíveis para suscitar a defesa coletiva de direitos, notadamente, a ADPF, não deve ser óbice ao conhecimento deste habeas corpus. O rol de legitimados dos instrumentos não é o mesmo, sendo consideravelmente mais restrito nesse tipo de ação de cunho objetivo. Além disso, o acesso à Justiça em nosso País, sobretudo das mulheres presas e pobres (talvez um dos grupos mais oprimidos do Brasil), por ser notoriamente deficiente, não pode prescindir da atuação dos diversos segmentos da sociedade civil em sua defesa. Nesse diapasão, ressalto dados da pesquisa “Panorama de Acesso à 4 Revisado HC 143641 / SP Justiça no Brasil, 2004 a 2009” (Brasília: Conselho Nacional de Justiça, Jul. 2011), os quais demonstram que, abaixo de determinado nível de escolaridade e renda, o acesso à Justiça praticamente não se concretiza. Tal pesquisa, dentre outras revelações, ressalta o quanto esse acesso, como direito de segunda geração ou dimensão, tem encontrado dificuldades para se realizar no Brasil, esbarrando, sobretudo, no desalento, ou seja, nas dificuldades relacionadas a custo, distância e desconhecimento que impedem as pessoas mais vulneráveis de alcançar o efetivo acesso à Justiça. Assim, penso que se deve extrair do habeas corpus o máximo de suas potencialidades, nos termos dos princípios ligados ao acesso à Justiça previstos na Constituição de 1988 e, em particular, no art. 25 do Pacto de São José da Costa Rica. Não vinga, data venia, a alegação da Procuradoria-Geral da República no sentido de que as pacientes são indeterminadas e indetermináveis. Tal assertiva ficou superada com a apresentação, pelo DEPEN e por outras autoridades estaduais, de listas contendo nomes e dados das mulheres presas preventivamente, que estão em gestação ou são mães de crianças sob sua guarda. O fato de que a ordem, acaso concedida, venha a ser estendida a todas aquelas que se encontram em idêntica situação, não traz nenhum acento de excepcionalidade ao desfecho do julgamento do presente habeas corpus, eis que tal providência constitui uma das consequências normais do instrumento. Em face dessa listagem, ainda que provisória, de mulheres presas, submetidas a um sistemático descaso pelo Estado responsável por sua custódia, não se está mais diante de um grupo de pessoas indeterminadas e indetermináveis como assentou a PGR, mas em face de uma situação em que é possível discernir direitos individuais homogêneos - para empregar um conceito hoje positivado no art. 81, parágrafo único, III, do 5 Revisado HC 143641 / SP Código de Defesa do Consumidor - perfeitamente identificáveis e “cujo objeto é divisível e cindível”, para empregar a conhecida definição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. Considero fundamental, ademais, que o Supremo Tribunal Federal assuma a responsabilidade que tem com relação aos mais de 100 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, e às dificuldades estruturais de acesso à Justiça, passando a adotar e fortalecer remédios de natureza abrangente, sempre que os direitos em perigo disserem respeito às coletividades socialmente mais vulneráveis. Assim, contribuirá não apenas para atribuir maior isonomia às partes envolvidas nos litígios, mas também para permitir que lesões a direitos potenciais ou atuais sejam sanadas mais celeremente. Ademais, contribuirá decisivamente para descongestionar o enorme acervo de processos sob responsabilidade dos juízes brasileiros. Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF 347 MC/DF, de que nosso sistema prisional encontra-se em um estado de coisas inconstitucional, e ainda diante da existência de inúmeros julgados de todas as instâncias judiciais nas quais foram dadas interpretações dissonantes sobre o alcance da redação do art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal (v.g., veja-se, no Superior Tribunal de Justiça: HC 414674, HC 39444, HC 403301, HC 381022), não há como deixar de reconhecer, segundo penso, a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento deste writ, sobretudo tendo em conta a relevância constitucional da matéria. Reconhecidos, assim, o cabimento do habeas corpus coletivo e a competência desta Corte para julgá-lo, cumpre assentar certos parâmetros no tocante à legitimidade ativa para ingressar com a ação em comento, como, aliás, é a regra em se tratando de ações de natureza coletiva. Com efeito, apesar de ser digna de encômios a iniciativa do Coletivo 6 Revisado HC 143641 / SP de Advocacia em Direitos Humanos e dos impetrantes Eloísa Machado de Almeida, Bruna Soares Angotti, André Ferreira, Nathalie Fragoso e Hilem Oliveira, que trouxeram à apreciação desta Suprema Corte os fatos narrados na inicial, parece-me que a legitimidade ativa deve ser reservada aos atores listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. No caso sob exame, portanto, incidiria o referido dispositivo legal, de maneira a reconhecer-se a legitimidade ativa a Defensoria Pública da União, por tratar-se de ação de abrangência nacional, admitindo-se os impetrantes como amici curiae. Dessa forma, e sem demérito nenhum aos demais impetrantes, os quais realizaram um proficiente trabalho, garantese que os interesses da coletividade estejam devidamente representados. Pois bem, superada a questão do conhecimento do habeas corpus coletivo, passo à analise do mérito da impetração. Aqui, é preciso avaliar, primeiramente, se há, de fato, uma deficiência de caráter estrutural no sistema prisional que faz com que mulheres grávidas e mães de crianças, bem como as próprias crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), estejam experimentando a situação retratada na exordial. Ou seja, se as mulheres estão efetivamente sujeitas a situações degradantes na prisão, em especial privadas de cuidados médicos pré-natal e pós-parto, bem como se as crianças estão se ressentindo da falta de berçários e creches. Nesse aspecto, a resposta é lamentavelmente afirmativa, tal como deflui do julgamento da ADPF 347 MC/DF, na qual os fatos relatados no presente habeas corpus – retratando gravíssima deficiência estrutural, especificamente em relação à situação da mulher presa – foi expressamente abordada. 7 Revisado HC 143641 / SP Por oportuno, transcrevo trechos mais relevantes daquele julgado, nesse aspecto, que extraio do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio, e que devem ser necessariamente levados em consideração para análise do caso sub judice: “A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa falha estrutural a gerar tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. A inércia, como dito, não é de uma única autoridade pública – do Legislativo ou do Executivo de uma particular unidade federativa –, e sim do funcionamento deficiente do Estado como um todo. Os poderes, órgãos e entidades federais e estaduais, em conjunto, vêm se mantendo incapazes e manifestando verdadeira falta de vontade em buscar superar ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade. Faltam sensibilidade legislativa e motivação política do Executivo. É possível apontar a responsabilidade do Judiciário no que 41% desses presos, aproximadamente, estão sob custódia provisória. Pesquisas demonstram que, julgados, a maioria alcança a absolvição ou a condenação a penas alternativas, surgindo, assim, o equívoco da chamada ‘cultura do encarceramento’. [...] Com relação aos problemas causados pela chamada ‘cultura do encarceramento’, do número de prisões provisórias decorrente de possíveis excessos na forma de interpretar-se e aplicar-se a legislação penal e processual, cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar a concretização da ordem jurídico-penal de modo a minimizar o quadro, em vez de agravá-lo, como vem ocorrendo. A forte violação de direitos fundamentais, alcançando a transgressão à dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial justifica a atuação mais assertiva do Tribunal. Trata-se de entendimento pacificado, como revelado 8 Revisado HC 143641 / SP no julgamento do aludido Recurso Extraordinário nº 592.581/RS, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, no qual assentada a viabilidade de o Poder Judiciário obrigar a União e estados a realizarem obras em presídios para garantir a integridade física dos presos, independentemente de dotação orçamentária. Inequivocamente, a realização efetiva desse direito é elemento de legitimidade do Poder Público em geral. Há mais: apenas o Supremo revela-se capaz, ante a situação descrita, de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir ao Tribunal o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os resultados.” (grifei). Há, como foi reconhecido no voto, referendado por todos os ministros da Corte, uma falha estrutural que agrava a “cultura do encarceramento”, vigente entre nós, a qual se revela pela imposição exagerada de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis. Tal decorre, como já aventado por diversos analistas dessa problemática seja por um proceder mecânico, automatizado, de certos magistrados, assoberbados pelo excesso de trabalho, seja por uma interpretação acrítica, matizada por um ultrapassado viés punitivista da legislação penal e processual penal, cujo resultado leva a situações que ferem a dignidade humana de gestantes e mães submetidas a uma situação carcerária degradante, com evidentes prejuízos para as respectivas crianças. As evidências do que se afirmou na prefacial são várias. Inicialmente, cabe observar que, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres (Brasília: Departamento Penitenciário Nacional – Ministério da Justiça, Junho/2017), “a população absoluta de mulheres encarceradas no sistema penitenciário cresceu 567% entre os anos 2000 e 2014”, incremento muito 9 Revisado HC 143641 / SP superior ao da população masculina, que ainda assim aumentou exagerados 220% no mesmo período, a demonstrar a tendência geral de aumento do encarceramento no Brasil (INFOPEN Mulheres, p. 10). Especificamente no tocante à prisão provisória, “enquanto 52% das unidades masculinas são destinadas ao recolhimento de presos provisórios, apenas 27% das unidades femininas têm esta finalidade”, apesar de 30,1% da população prisional feminina ser provisória (INFOPEN Mulheres, p. 18-20). Mais graves, porém, são os dados sobre infraestrutura relativa à maternidade no interior dos estabelecimentos prisionais, sobre os quais cabe apontar que: (i) nos estabelecimentos femininos, apenas 34% dispõem de cela ou dormitório adequado para gestantes, apenas 32% dispõem de berçário ou centro de referência materno infantil e apenas 5% dispõem de creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19); (ii) nos estabelecimentos mistos, apenas 6% das unidades dispõem de espaço específico para a custódia de gestantes, apenas 3% dispõem de berçário ou centro de referência materno infantil e nenhum dispõe de creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19). Esses números são ainda mais preocupantes se considerarmos que 89% das mulheres presas têm entre 18 e 45 anos (INFOPEN Mulheres, p. 22), ou seja, em idade em que há grande probabilidade de serem gestantes ou mães de crianças. Infelizmente, o INFOPEN Mulheres não informa quantas apresentam, efetivamente, tal condição. Outro dado de fundamental interesse diz respeito ao fato de que 68% das mulheres estão presas por crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, delitos que, na grande maioria dos casos, não envolvem 10 Revisado HC 143641 / SP violência nem grave ameaça a pessoas, e cuja repressão recai, não raro, sobre a parcela mais vulnerável da população, em especial sobre os pequenos traficantes, quase sempre mulheres, vulgarmente denominadas de “mulas do tráfico” (SOARES, B. M. e ILGENFRITZ, I. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002). Nesses casos, quase sempre, como revelam os estudos especializados, a prisão preventiva se mostra desnecessária, já que a prisão domiciliar prevista no art. 318 pode, com a devida fiscalização, impedir a reiteração criminosa. Conforme constou da inicial, “O encarceramento provisório de mulheres no Brasil, com suas nefastas consequências, nada tem, assim, de excepcional. Selecionadas a este modo para o cárcere brasileiro, elas possuem baixa escolaridade, originam-se de extratos sociais economicamente desfavorecidos e, antes da prisão, desempenhavam atividades de trabalho no mercado informal (INFOPEN Mulheres - Junho de 2014). O retrato que ora se vai delineando em tudo coincide com os documentos produzidos no âmbito do sistema universal de direitos humanos sobre o tema (Vide, em especial, o texto destinado a orientar os trabalhos da Força-Tarefa do Sistema ONU sobre o Crime Organizado e o Tráfico De Drogas, como Ameaças à Segurança e Estabilidade. UN Women. A gender perspective on the impact of drug use, the drug trade, and drug control regimes, 2014): o envolvimento das mulheres no uso e tráfico de drogas reflete seu déficit de oportunidades econômicas e status político. Quando se engajam em atividades ilícitas são relegadas às mesmas posições vulneráveis que pavimentaram o caminho deste engajamento. Quando alvos da persecução penal, deparam-se com um sistema judiciário que desacredita seus testemunhos e com a atribuição de penas ou medidas cautelares que negligenciam suas condições particulares como mulheres (UN Women, 2014, p. 34-35)”. 11 Revisado HC 143641 / SP Todas essas informações são especialmente inquietantes se levarmos em conta que o Brasil não tem sido capaz de garantir cuidados relativos à maternidade nem mesmo às mulheres que não estão em situação prisional. Nesse sentido, relembre-se o “caso Alyne Pimentel”, que representou a “primeira denúncia sobre mortalidade materna acolhida pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (...) incumbido de monitorar o cumprimento pelos Estados-parte da Convenção relativa aos Direitos das Mulheres, adotada pelas Nações Unidas em 1979”, tratando-se da “única ‘condenação’ do Estado brasileiro proveniente de um órgão do Sistema Universal de Direitos Humanos” (ALBUQUERQUE, Aline S. de Oliveira; BARROS, Julia Schirmer. Caso Alyne Pimentel: uma análise à luz da abordagem baseada em direitos humanos. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, n. 12, jul. 2016, p. 11) Foram sete as recomendações feitas ao Brasil naquele pronunciamento, sendo seis delas de caráter geral. Dessas, cinco delas disseram respeito a políticas públicas de saúde, conforme segue: i. “assegurar o direito da mulher à maternidade saudável e o acesso de todas as mulheres a serviços adequados de emergência obstétrica; ii. “realizar treinamento adequado de profissionais de saúde, especialmente sobre direito à saúde reprodutiva das mulheres;” iii. “reduzir as mortes maternas evitáveis, por meio da implementação do Pacto Nacional para a Redução da Mortalidade Materna e da instituição de comitês de mortalidade materna;” iv. “assegurar o acesso a remédios efetivos nos casos de violação dos direitos reprodutivos das mulheres e prover treinamento adequado para os profissionais do Poder Judiciário e operadores do direito;” v. “assegurar que os serviços privados de saúde sigam 12 Revisado HC 143641 / SP padrões nacionais e internacionais sobre saúde reprodutiva”. (CEDAW/C/BRA/CO/6) Uma última referia-se à responsabilização de pessoas envolvidas com a problemática, nos seguintes termos: vi. “assegurar que sanções sejam impostas para profissionais de saúde que violem os direitos reprodutivos das mulheres”. Convém ressaltar que o cuidado com a saúde maternal é considerado como uma das prioridades que deve ser observada pelos distintos países no que concerne ao seu compromisso com a promoção de desenvolvimento, conforme consta do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio - ODM nº 5 (melhorar a saúde materna) e do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos documentos subscritos no âmbito da Organização das Nações Unidas. Aliás, a reiteração da ênfase conferida pela ONU sobre o tema foi reforçada nos ODSs justamente porque, durante o tempo em que vigeram os ODMs (2000-2015), foi possível constatar “a falta de avanço em algumas áreas, particularmente aquelas relacionadas com saúde materna, neonatal e infantil e saúde reprodutiva” (MACHADO FILHO, H. União Europeia, Brasil e os desafios da agenda do desenvolvimento sustentável. In: Dos objetivos do milênio aos objetivos do desenvolvimento sustentável: lições aprendidas e desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2016, p. 88). Ao tutelarem a saúde reprodutiva da mulher, tais objetivos corroboram o pleito inicial, reforçando a importância de, num crescente cenário de uma maior igualdade de gênero, se conferir atenção especial à saúde reprodutiva das mulheres. O Brasil, ademais, na medida em que dá concretude a tais compromissos, honra o lugar de destaque que ocupou nos últimos 13 Revisado HC 143641 / SP grandes eventos internacionais voltados à promoção do desenvolvimento social, notadamente no congresso Rio + 20, bem como os compromissos assumidos ao subscrever os supra mencionados Objetivos Globais, que se voltam especialmente à tutela das mulheres e crianças em situação de maior vulnerabilidade. Na verdade, nada mais estará fazendo do que dar concreção ao que a Constituição, em sua redação original, já determinava: i. “art. , II - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; ii. “art. 5º, XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; iii. “art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado (...); iv. “art. 5º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; v. “art. 5º, XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; vi. “art. 5º, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”. Além disso, respeitará a Lei 11.942/2009, que promoveu mudanças na Lei de Execução Penal, que prevê: i. “acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.” ii. “os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.” e iii. “a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores 14 Revisado HC 143641 / SP de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”, inclusive à presa provisória (art. 42 da LEP). Não obstante, nem a Constituição, nem a citada Lei, passados tantos anos da respectiva edição, vem sendo respeitadas pelas autoridades responsáveis pelo sistema prisional, conforme registra o próprio DEPEN nas informações que constam do já referido INFOPEN Mulheres – 2014. O cuidadoso trabalho de pesquisa de Eloísa Machado de Almeida, Bruna Soares Angotti, André Ferreira, Nathalie Fragoso e Hilem Oliveira, constante da inicial, revela, inclusive por meio de exemplos, a duríssima - e fragorosamente inconstitucional - realidade em que vivem as mulheres presas, a qual já comportou partos em solitárias sem nenhuma assistência médica ou com a parturiente algemada ou, ainda, sem a comunicação e presença de familiares. A isso soma-se a completa ausência de cuidado pré-natal (acarretando a transmissão evitável de doenças graves aos filhos, como sífilis, por exemplo), a falta de escolta para levar as gestantes a consultas médicas, não sendo raros partos em celas, corredores ou nos pátios das prisões, sem contar os abusos no ambiente hospitalar, o isolamento, a ociosidade, o afastamento abrupto de mães e filhos, a manutenção das crianças em celas, dentre outras atrocidades. Tudo isso de forma absolutamente incompatível com os avanços civilizatórios que se espera tenham se concretizado neste século XXI. Vale transcrever, nesse sentido, mais um trecho da contundente exordial: “Para além da incapacidade de oferecer um ambiente confortável, alimentação adequada e viabilizar outros fatores condicionantes de um desenvolvimento gestacional saudável, estudos dedicados à investigação das condições de maternidade no cárcere constataram ainda que as mulheres experimentam – e denunciam – gestações ora mal, ora completamente 15 Revisado HC 143641 / SP desassistidas. Tome-se, por exemplo, o impacto desta privação no tocante à sífilis, enfermidade à qual as mulheres privadas de liberdade estão especialmente vulneráveis, conforme os dados do INFOPEN já mencionados (Consta do levantamento que, das 1.204 mulheres com agravos transmissíveis, 35% são portadoras de sífilis. Cf. do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen – junho de 2014.) A bactéria causadora da doença é capaz de atravessar a barreira placentária. Em consequência, fica a criança vulnerável à sífilis congênita, cuja incidência tem aumentado nos últimos anos (4,7 para cada 1.000 nascidos vivos em 2013, segundo o Ministério da Saúde); incrementa-se o risco de abortamentos precoces, tardios, trabalhos de parto prematuros e do óbito da criança (O índice de mortalidade infantil por sífilis congênita no Brasil cresceu de 2,2 a cada 100.000 nascidos vivos em 2004 para 5,5 em 2013). As crianças sobreviventes ainda podem desenvolver malformações cerebrais, alterações ósseas, cegueira e lábio leporino. Os partos de mulheres sob custódia do Estado, realizados nas celas ou nos pátios prisionais, são expressão máxima da indiferença do sistema prisional aos direitos reprodutivos de mulheres presas. Parto, afinal, não é acidente ou evento incerto. Entretanto, o sistema de justiça criminal, em aparente estado de negação, desconsidera as condições do cárcere na determinação de prisões preventivas a gestantes, bem como as necessidades inescapáveis destas. O sistema prisional, por sua vez, falha persistentemente no reconhecimento, planejamento e no encaminhamento tempestivo de suas demandas. O Estado, portanto, cria e incrementa o perigo, a potencialidade de dano, a previsibilidade de perdas às mulheres e seus filhos. Não são menores os desafios enfrentados após o nascimento das crianças. O período de garantia do aleitamento não é uniforme nas diferentes unidades federativas. Em tese, após o parto e como garantia do convívio e do aleitamento materno, o recém- 16 Revisado HC 143641 / SP nascido permanece junto à mãe por um período mínimo de seis meses. Esse padrão não é, no entanto, obedecido em todos os estabelecimentos prisionais. Em algumas unidades, o prazo mínimo de seis meses é desrespeitado, noutras converte-se em parâmetro máximo. Quanto à saída da criança do cárcere, seu elemento mais problemático é o caráter abrupto, o descompromisso com um período de adaptação e a desconsideração de seus impactos sobre a saúde psicológica das mulheres encarceradas. Após um período de convívio com suas crianças, durante o qual permanecem isoladas dos demais espaços de convivência das unidades de privação de liberdade, dedicando-se exclusivamente ao cuidado dos recém-nascidos, mães e filhos são bruscamente apartados. BRAGA e ANGOTTI denominam hiper-hipo-maternidade este constructo da disciplina prisional, caracterizado por uma intensa e regulada convivência, seguida de uma brusca e cruel separação. Importante ainda mencionar que, caso não seja bem-sucedida a tentativa de contato com a família ou não haja familiares dispostos a assumir o cuidado da criança durante o período de privação de liberdade da mãe, as crianças são encaminhadas a um abrigo. Não raro, são adotadas e as mães são destituídas de poder familiar sem que tenham tido oportunidade de se manifestar e defender-se amplamente diante do Juizado da Infância e Juventude (Conectas. ‘Penitenciárias são feitas por homens para homens’. Disponível em:http://carceraria.org.br/wpcontent/uploads/2012/09/relatorio -mulherese-presas_versaofinal1.pdf). Outro persistente obstáculo, incidente nos casos das crianças que ficam com parentes e poderiam prestar visitas às mães, mantendo assim, ainda que precariamente, os vínculos afetivo-familiares, consiste na sujeição das crianças e seus guardiões à prática da revista íntima vexatória.” (Petição inicial, notas de rodapé incorporadas ao corpo do texto, p. 18-26). Em 2015, o Ministério da Justiça e o IPEA promoveram uma pesquisa sobre a maternidade na prisão em seis Estados da Federação 17 Revisado HC 143641 / SP (Dar a luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos, IPEA, 2015). A realidade que descrevem é, em geral, de indiferença estatal para com a maternidade no cárcere. Especificamente no Estado de São Paulo, chama a atenção o fato de que a Secretaria de Administração Penitenciária não autorizou o ingresso das pesquisadoras nas novas unidades que seriam “projetadas especialmente para atendimento das necessidades das mulheres” (p. 64) e, mesmo em unidades cuja visita foi autorizada, como no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, a pesquisa foi severamente restringida, o que levou as pesquisadoras a indagar: “se nós, professoras universitárias (com o aval do Ministério da Justiça e autorização do Secretario de Administração Penitenciária) estávamos recebendo aquele tratamento por parte do pessoal penitenciário, imagina as pessoas presas e suas famílias?” (p. 66). Constatou-se ainda a precariedade do acesso à Justiça das mulheres presas, separação precoce de mães e filhos, internação das crianças mesmo quando há família extensa disponível, concluindo-se que: “Uma das saídas desse (falso) paradoxo, entre institucionalizar a criança ou separá-la da mãe, seria a prisão domiciliar, essa opção choca com a cultura do encarceramento e a priorização do ‘combate ao crime’ presente nos discursos e práticas do sistema de justiça. O aumento do encarceramento feminino, e logo do número de gestantes, puérperas e mães encarceradas demonstra que o sistema de justiça criminal vem ignorando recomendações de organizações internacionais contra o uso de prisão para essas mulheres. Concluímos que uma melhor possibilidade de exercício de maternidade ocorrerá sempre fora da prisão e, se a legislação for cumprida, tanto em relação à excepcionalidade da prisão preventiva como no tangente à aplicação da prisão domiciliar, grande parte dos problemas que afetam a mulher no ambiente 18 Revisado HC 143641 / SP prisional estarão resolvidos”. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça noticiou em seu sítio eletrônico na Internet dados sobre a “Saúde materno-infantil nas prisões”, que corroboram os dramáticos relatos citados acima: “A vulnerabilidade social do grupo das mulheres presas, especialmente as mães que tiveram filhos na cadeia, também foi constatada pelo fato de 30% delas chefiarem suas famílias – 23% delas tinham famílias chefiadas pelas próprias mães. Praticamente metade delas (48%) não tinha concluído o ensino fundamental, ou seja, uma em cada duas mulheres presas entrevistadas estudou sete anos ou menos. De acordo com os resultados do estudo, a vulnerabilidade social delas foi agravada durante a experiência da parição. Embora a maioria delas (60%) tenha sido atendida em até meia hora após o início do trabalho de parto, apenas 10% das famílias das presas foram avisadas. Uma em cada três mulheres foi levada ao hospital em viatura policial. A estadia na maternidade também foi problemática, uma vez que 36% das mulheres ouvidas relataram que foram algemadas em algum momento da internação. Maus-tratos ou violência – verbal e psicológica – foram praticadas por profissionais da saúde em 16% dos casos e por agentes penitenciários em 14% dos relatos. Sete mulheres das 241 ouvidas (8% do total) alegaram ter sido algemadas enquanto davam à luz. Apenas 3% das mulheres entrevistadas tinham acompanhantes na sala de operação e as visitas pós-nascimento foram autorizadas em somente 11% dos casos. De acordo com os relatos colhidos durante a pesquisa, a intimidade das mulheres parturientes foi respeitada por 10,5% dos profissionais de saúde e por 11,3% dos agentes prisionais. Para analisar a experiência pré-parto e o atendimento prestado às gestantes, foi considerada recomendação do Ministério da Saúde, segundo a qual o pré-natal adequado tem de ser iniciado antes da 16ª semana da gestação. A distribuição 19 Revisado HC 143641 / SP das consultas é trimestral: uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três, no terceiro. Apenas 32% das mulheres ouvidas tiveram um atendimento pré-natal adequado.” (Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php? option=com_content&view=article&id=85402:jovem-negra-emae-solteiraadramatica-situacao-de-quem-daaluz-naprisao&catid=813:cnj&Itemid=4640, acesso em 12 de novembro de 2017, grifei). As narrativas acima evidenciam que há um descumprimento sistemático de regras constitucionais, convencionais e legais referentes aos direitos das presas e de seus filhos. Por isso, não restam dúvidas de que “cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar a concretização da ordem jurídico-penal de modo a minimizar o quadro” de violações a direitos humanos que vem se evidenciando, na linha do que já se decidiu na ADPF 347, bem assim em respeito aos compromissos assumidos pelo Brasil no plano global relativos à proteção dos direitos humanos e às recomendações que foram feitas ao País A atuação do Tribunal, nesse ponto, é plenamente condizente com os textos normativos que integram o patrimônio mundial de salvaguarda dos indivíduos colocados sob a custódia do Estado, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, os Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, a Convenção das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras de Mandela). Essa posição é consentânea, ainda, com o entendimento do Supremo Tribunal Federal em temas correlatos, como o revelado na Repercussão Geral de número 423, por meio do julgamento do RE 641.320/RS, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual o Plenário desta Casa assentou que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a 20 Revisado HC 143641 / SP manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. A tese ficou assim redigida: “I - A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; II - Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como ‘colônia agrícola, industrial’ (regime semiaberto) ou ‘casa de albergado ou estabelecimento adequado’ (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas ‘b’ e ‘c’); III - Havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado”. Cumpre invocar, mais, as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras, também conhecidas como Regras de Bangkok, que, durante minha presidência no Conselho Nacional de Justiça, fiz questão de ver traduzidas e publicadas na Série “Tratados Internacionais de Direitos Humanos”, com o intuito de promover maior vinculação à pauta de combate à desigualdade e violência de gênero (Regras de Bangkok: Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras/ Conselho Nacional de Justiça, Departamento de Monitoramento e 21 Revisado HC 143641 / SP Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, Conselho Nacional de Justiça – 1. Ed – Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016). Na apresentação das referidas Regras, tive a oportunidade de afirmar que: “Historicamente, a ótica masculina tem sido tomada como regra para o contexto prisional, com prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens, deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade prisional feminina, que se relacionam com sua raça e etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, entre tantas outras nuanças. Há grande deficiência de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade nos bancos de dados oficiais governamentais, o que contribui para a invisibilidade das necessidades dessas pessoas. O principal marco normativo internacional a abordar essa problemática são as chamadas Regras de Bangkok − Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Essas Regras propõem olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário. Apesar de o Governo Brasileiro ter participado ativamente das negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e a sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, até o momento elas não foram plasmadas em políticas públicas consistentes, em nosso país, sinalizando, ainda, o quanto carece de fomento a implementação e a internalização eficaz pelo Brasil das normas de direito internacional dos direitos humanos. E cumprir esta regra é um compromisso internacional 22 Revisado HC 143641 / SP assumido pelo Brasil. Embora se reconheça a necessidade de impulsionar a criação de políticas públicas de alternativas à aplicação de penas de prisão às mulheres, é estratégico abordar o problema primeiramente sob o viés da redução do encarceramento feminino provisório. De acordo com as Regras de Bangkok, deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado” (grifei). Algumas regras específicas merecem especial destaque neste julgamento, estando abaixo transcritas: “6.23.1. Nos estabelecimentos penitenciários para mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, devem ser tomadas medidas para que o parto tenha lugar num hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento penitenciário, tal fato não deve constar do respectivo registro de nascimento. 6.23.2. Quando for permitido às mães reclusas conservar os filhos consigo, devem ser tomadas medidas para organizar um berçário dotado de pessoal qualificado, onde as crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães. 6.b.10. Serão oferecidos às presas serviços de atendimento médico voltados especificamente para mulheres, no mínimo equivalentes àqueles disponíveis na comunidade. 7.c.24. Instrumentos de contenção jamais deverão ser usados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período imediatamente posterior. 56. As autoridades competentes reconhecerão o risco específico de abuso que enfrentam as mulheres em prisão cautelar e adotarão medidas adequadas, de caráter normativo e prático, para garantir sua segurança nessa situação. 57. As provisões das Regras de Tóquio deverão orientar o 23 Revisado HC 143641 / SP desenvolvimento e a implementação de respostas adequadas às mulheres infratoras. Deverão ser desenvolvidas, dentro do sistema jurídico do Estado membro, opções específicas para mulheres de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão e à prisão cautelar, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado. 58. Considerando as provisões da regra 2.3 das Regras de Tóquio, mulheres infratoras não deverão ser separadas de suas famílias e comunidades sem que se considere devidamente a sua história e laços familiares. Formas alternativas de lidar com mulheres infratoras, tais como medidas despenalizadoras e alternativas à prisão, inclusive à prisão cautelar, deverão ser empregadas sempre que apropriado e possível. 59. Em geral, serão utilizadas medidas protetivas não privativas de liberdade, como albergues administrados por órgãos independentes, organizações não governamentais ou outros serviços comunitários, para assegurar proteção às mulheres que necessitem. Serão aplicadas medidas temporárias de privação da liberdade para proteger uma mulher unicamente quando seja necessário e expressamente solicitado pela mulher interessada, sempre sob controle judicial ou de outras autoridades competentes. Tais medidas de proteção não deverão persistir contra a vontade da mulher interessada”. A jurisprudência desta Suprema Corte tem sido firme na observância do amplo cabedal normativo ora citado, como pode ser visto no HC 147.322-MC/SP, HC 142.279/CE, HC 130.152-MC/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, HC 134.979/DF, HC 134.130/DF, HC 133.179/DF e HC 129.001/SP, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, HC 133.532/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, HC 134.734-MC/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, dentre muitos outros. Os cuidados que devem ser dispensados à mulher presa direcionamse também aos seus filhos, que sofrem injustamente as consequências da 24 Revisado HC 143641 / SP prisão da mãe, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, o qual estabelece a prioridade absoluta na consecução dos direitos destes: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Aqui, não é demais relembrar, por oportuno, que o nosso texto magno estabelece, taxativamente, em seu art. 5º, XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, sendo escusado anotar que, no caso das mulheres presas, a privação de liberdade e suas nefastas consequências estão sendo estendidas às crianças que portam no ventre e àquelas que geraram. São evidentes e óbvios os impactos perniciosos da prisão da mulher, e da posterior separação de seus filhos, no bem-estar físico e psíquico das crianças. Recentemente a Revista Época publicou reportagem sobre o tema, que bem ilustra o tipo de dano a que estão sujeitas as crianças: “O estrondo do portão de ferro que se fecha marca o fim de mais um dia. Na cela, com não mais de 10 metros quadrados, apertam-se objetos cobertos por mantas, uma cama protegida por um mosquiteiro e um guarda-roupa aberto com roupas de bebê dobradas. Adesivos infantis decoram a parede e mantas em tons pastel ocultam as grades de ferro. Ali, na ala da amamentação na Penitenciária Feminina de Pirajuí, em São Paulo, dormem Rebeca, de 7 meses, e sua mãe, Jaquelina Marques, de 23 anos. A menina só vê o mundo exterior – árvores, carros, cachorros, homens – ao ser levada para consultas pediátricas. Normalmente, passa o tempo todo com a mãe, ocupante temporária de uma das 12 celas no pavilhão. 25 Revisado HC 143641 / SP [...] “Os sintomas da separação se manifestaram nas crianças. Midiã, quando saiu da cadeia com poucos meses, não aceitava mais ser amamentada. O irmão dela, Adryan, estava aprendendo a falar quando a mãe foi presa pela segunda vez. Simplesmente parou no meio do caminho. Com 3 anos, ele se expressa mais com acenos de cabeça do que com palavras. Na primeira visita à mãe, colocou o braço no rosto para tapar os olhos - e nada o fez mudar de ideia. ‘Não me deu um abraço. Fui tentar pegar e ele bateu em mim. Não quis ficar comigo de jeito nenhum’, diz Jaquelina. Agora em regime semiaberto, ela visita a família no interior, a cerca de duas horas de Pirajuí, durante a ‘saidinha’ nos feriados. Aos poucos, reaproximou-se dos filhos. Em uma dessas saídas, ao terminar a visita à família, despediu-se do filho. O menino correu atrás dela - queria ir junto. ‘Ele ficou chorando tanto que deu dó. Fiquei com a cabeça atordoada de deixar ele daquele jeito’, diz. [...] Em 30 de novembro, o Seminário Nacional sobre Crianças e Adolescentes com Familiares Encarcerados inaugurou uma articulação nacional, a fim de promover apoio a esse grupo. A articulação, que reúne ONGs, associações, movimentos e redes, fez contato com 200 crianças e adolescentes nessa situação. Apenas 36 aceitaram participar. Detectou-se um quadro previsível e trágico. A prisão de familiares (geralmente mãe ou pai) acarreta fragilidade econômica e social. As crianças muitas vezes precisam assumir tarefas domésticas e ganhar dinheiro. Seis apresentaram depressão. (Presos ao nascer, Revista Época, 18 de dezembro de 2017, grifei). Em sua manifestação como amicus curiae, o Instituto Alana, cujo ingresso nessa condição autorizei, apontou as incontáveis violações a que estão sujeitas as crianças que nascem no cárcere, a demonstrar que as violações a seus direitos começam antes mesmo do nascimento: “É fundamental ter em mente que o período gestacional e 26 Revisado HC 143641 / SP o momento do nascimento refletem no desenvolvimento infantil: ‘O embrião ou feto reage não só às condições físicas da mãe, aos seus movimentos psíquicos e emocionais, como também aos estímulos do ambiente externo que a afetam. O cuidado com o bem-estar emocional da mãe repercute no ser que ela está gestando. (...) Quando a mulher grávida recebe apoio emocional e material do parceiro e de outros que lhe são próximos durante todo o processo, seus sentimentos de bemestar comunicam-se ao embrião e ao feto, favorecendo o desenvolvimento saudável do bebê’ (SANTOS, Marcos Davi dos et al. Formação em pré-natal, puerpério e amamentação: práticas ampliadas. São Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 2014, p. 19). Assim, é importante considerar a relevância da atenção pré-natal e do cuidado com o parto, para além do acompanhamento pediátrico, e entender que violações aos direitos da mulher gestante, parturiente e mãe violam também os direitos de crianças. É preciso destacar também que, nos casos de separação entre a criança e a mãe, há impactos na saúde decorrentes desse rompimento, os quais se agravam em casos de institucionalização [...] Um dos principais fatores responsáveis por esse dano é o estresse tóxico, fruto de situações que envolvem um sofrimento grave, frequente, ou prolongado, no qual a crianças não têm o apoio adequado da mãe, pai ou cuidadores. No caso de crianças com mães encarceradas, o estresse tóxico decorre do ambiente prisional, que não é capaz de acolher a criança, e da situação precária que a mulher encarcerada vivencia. Também nos casos de separação da mãe e consequente institucionalização, o rompimento do vínculo gera estresse à criança” (documento eletrônico 148, p. 18/19). Professores da Universidade de Harvard demonstraram que a privação, na infância, de suporte psicológico e das experiências comuns às pessoas, produz danos ao desenvolvimento da criança (NELSON, Charles A., FOX, Nathan A. e ZEANAH, Charles H. Romania’s Abandoned 27 Revisado HC 143641 / SP Children: Deprivation, Brain Development, and the Struggle for Recovery. Cambridge: Harvard Univ. Press, 2014). Conforme explicam, existe uma “experiência compartilhada” pela qual todos os seres humanos devem passar. E tal experiência é de suma importância para o desenvolvimento sensorial e emocional. Sem ela, os órgãos, assim como o sistema nervoso, podem, sobretudo em épocas críticas do desenvolvimento infantil, sofrer danos permanentes. A consistência do afeto que recebem é da máxima relevância para a formação de pessoas saudáveis e capazes de estabelecer relações sociais profundas. Trazendo tais reflexões para o caso concreto, não restam dúvidas de que a segregação, seja nos presídios, seja em entidades de acolhimento institucional, terá grande probabilidade de causar dano irreversível e permanente às crianças filhas de mães presas. Nos cárceres, habitualmente estão limitadas em suas experiências de vida, confinadas que estão à situação prisional. Nos abrigos, sofrerão com a inconsistência do afeto, que, numa entidade de acolhimento, normalmente, restringe-se ao atendimento das necessidades físicas imediatas das crianças. Finalmente, a entrega abrupta delas à família extensa, como regra, em seus primeiros meses de vida, privando-as subitamente da mãe, que até então foi uma de suas únicas referências afetivas, é igualmente traumática. Ademais, priva-as do aleitamento materno numa fase em que este é enfaticamente recomendado pelos especialistas. Por tudo isso, é certo que o Estado brasileiro vem falhando enormemente no tocante às determinações constitucionais que dizem respeito à prioridade absoluta dos direitos das crianças, prejudicando, assim, seu desenvolvimento pleno, sob todos os aspectos, sejam eles 28 Revisado HC 143641 / SP físicos ou psicológicos. Pesquisas empíricas realizadas no Brasil vêm corroborando o que se consignou acima. Uma delas, realizada na casa de acolhimento Nova Semente, extensão do complexo Penitenciário situado na cidade de Salvador – BA, revelou que “com relação ao desenvolvimento infantil e seus aspectos cognitivo, motor, afetivo e social, todas as crianças apresentavam seu desenvolvimento comprometido, o que foi revelado no atraso em desenvolver a leitura, contagem de numerais, identificação de cores, além do atraso social” (SANTOS, Denise et al. Crescimento e Desenvolvimento de Crianças na Casa de Acolhimento no Contexto Prisional. 6º Congresso Ibero-Americano de Pesquisa Qualitativa em Saúde). As privações narradas, além das inaceitáveis consequências pessoais que provocam, prejudicam a sociedade como um todo. Não se ignora, aliás, que, para se desenvolver plenamente, é preciso, antes de tudo, priorizar o bem-estar de suas crianças. Neste sentido, James Heckman, prêmio Nobel de Economia, ressalta que os menores que nascem em ambientes desvantajosos apresentam maiores riscos de não se desenvolverem adequadamente, além de enfrentarem mais problemas do que outras pessoas ao longo das respectivas vidas, sendo grande a possibilidade de virem a cometer crimes (HECKMAN, J. Giving Kids a Fair Chance. Cambridge: The MIT Press, 2013). Para ele, as principais habilidades cognitivas e sócio-emocionais dependem do ambiente que encontram na primeira infância. Essa é a razão pela qual, acrescenta, políticas públicas voltadas à correção precoce desses problemas podem redundar em melhores oportunidades para as pessoas e no incremento de sua qualidade de vida. Disso resultará, finaliza, uma economia mais robusta e uma sociedade mais saudável. Em suma, quer sob o ponto de vista da proteção dos direitos 29 Revisado HC 143641 / SP humanos, quer sob uma ótica estritamente utilitarista, nada justifica manter a situação atual de privação a que estão sujeitas as mulheres presas e suas crianças, as quais, convém ressaltar, não perderam a cidadania, em razão da deplorável situação em que se encontram. É importante sublinhar, também, que o legislador tem se revelado sensível a essa triste realidade. Não por acaso, recentemente foi editado o Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que modificou alguns aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual tem implicações da maior relevância para o julgamento do presente writ. A redação atual dos dispositivos que interessam é a seguinte: “Art. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. § 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária. § 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher. § 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação. § 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, 30 Revisado HC 143641 / SP inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. § 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação de privação de liberdade. § 6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do pré- natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato. § 7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança. § 8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos. § 9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de pré- natal, bem como da puérpera que não comparecer às consultas pós-parto. § 10º Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança. Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. § 1º Os profissionais das unidades primárias de saúde desenvolverão ações sistemáticas, individuais ou coletivas, visando ao planejamento, à implementação e à avaliação de 31 Revisado HC 143641 / SP ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à alimentação complementar saudável, de forma contínua. § 2º Os serviços de unidades de terapia intensiva neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou unidade de coleta de leite humano” . O Estatuto da Primeira Infância regulou, igualmente, no âmbito da legislação interna, aspectos práticos relacionados à prisão preventiva da gestante e da mãe encarcerada, ao modificar o art. 318 do Código de Processo Penal, que assim ficou redigido: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;” Diante desse teor normativo, pergunta-se: quais devem ser os parâmetros para a substituição de que trata a lei? A resposta, segundo as autoras e as amici curiae, está em que o “poderá”, constante do caput do artigo deve ser lido como “deverá”, para evitar que a discricionariedade do magistrado seja, na prática, usada de forma a reforçar a cultura do encarceramento. Já para a Procuradoria-Geral da República, a resposta deve formulada caso a caso, sempre à luz da particularidade do feito em análise. Essa abordagem, contudo, parece ignorar as falhas estruturais de acesso à Justiça que existem no País. Diante dessas soluções díspares, e para evitar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática supressão de direitos, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais, a melhor saída, a meu ver, no feito sob exame, consiste em 32 Revisado HC 143641 / SP conceder a ordem, estabelecendo parâmetros a serem observados, sem maiores dificuldades, pelos juízes, quando se depararem com a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela domiciliar. Em face de todo o exposto, concedo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício. Estendo a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas no parágrafo acima. Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão. Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já mencionado art. 319 do CPP. Para apurar a situação de guardiã dos seus filhos da mulher presa, 33 Revisado HC 143641 / SP dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe, podendo o juiz, na dúvida, requisitar a elaboração de laudo social, devendo, no entanto, cumprir desde logo a presente determinação. Caso se constate a suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão, a presente ordem não se aplicará. A fim de se dar cumprimento imediato a esta decisão, deverão ser comunicados os Presidentes dos Tribunais Estaduais e Federais, inclusive da Justiça Militar Estadual e federal, para que prestem informações e, no prazo máximo de 60 dias a contar de sua publicação, implementem de modo integral as determinações estabelecidas no presente julgamento, à luz dos parâmetros ora enunciados. Com vistas a conferir maior agilidade, e sem prejuízo da medida determinada acima, também deverá ser oficiado ao DEPEN para que comunique aos estabelecimentos prisionais a decisão, cabendo a estes, independentemente de outra provocação, informar aos respectivos juízos a condição de gestante ou mãe das presas preventivas sob sua custódia. Deverá ser oficiado, igualmente, ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, para que, no âmbito de atuação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, avalie o cabimento de intervenção nos termos preconizados no art. , § 1º, II, da Lei 12.106/2009, sem prejuízo de outras medidas de reinserção social para as beneficiárias desta decisão. O CNJ poderá ainda, no contexto do Projeto Saúde Prisional, lançado durante o período em que exerci a presidência do referido órgão, atuar junto às esferas competentes para que o protocolo de entrada no ambiente prisional seja precedido de exame apto a verificar a situação de gestante da mulher. Tal diretriz está de acordo com o Eixo 2 do referido programa, que prioriza a saúde das mulheres privadas de liberdade. 34 Revisado HC 143641 / SP Os juízes responsáveis pela realização das audiências de custódia, bem como aqueles perante os quais se processam ações penais em que há mulheres presas preventivamente, deverão proceder à análise do cabimento da prisão, à luz das diretrizes ora firmadas, de ofício. Embora a provocação por meio de advogado não seja vedada para o cumprimento desta decisão, ela é dispensável, pois o que se almeja é, justamente, suprir falhas estruturais de acesso à Justiça da população presa. Cabe ao Judiciário adotar postura ativa ao dar pleno cumprimento a esta ordem judicial. Nas hipóteses de descumprimento da presente decisão, a ferramenta a ser utilizada é o recurso, e não a reclamação, como já explicitado na ADPF 347. É como voto. 35 Revisado HABEAS CORPUS 143.641 SÃO PAULO RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI PACTE.(S) :TODAS AS MULHERES SUBMETIDAS À PRISÃO CAUTELAR NO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL, QUE OSTENTEM A CONDIÇÃO DE GESTANTES, DE PUÉRPERAS OU DE MÃES COM CRIANÇAS COM ATÉ 12 ANOS DE IDADE SOB SUA RESPONSABILIDADE, E DAS PRÓPRIAS CRIANÇAS IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL ASSIST.(S) :TODOS OS MEMBROS DO COLETIVO DE ADVOGADOS EM DIREITOS HUMANOS - CADHU ASSIST.(S) :ELOISA MACHADO DE ALMEIDA ASSIST.(S) :HILEM ESTEFANIA COSME DE OLIVEIRA ASSIST.(S) :NATHALIE FRAGOSO E SILVA FERRO ASSIST.(S) :ANDRE FERREIRA ASSIST.(S) :BRUNA SOARES ANGOTTI BATISTA DE ANDRADE COATOR (A/S)(ES) :JUÍZES E JUÍZAS DAS VARAS CRIMINAIS ESTADUAIS COATOR (A/S)(ES) :TRIBUNAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS COATOR (A/S)(ES) :JUÍZES E JUÍZAS FEDERAIS COM COMPETÊNCIA CRIMINAL COATOR (A/S)(ES) :TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS COATOR (A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO Revisado HC 143641 / SP ESPÍRITO SANTO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIAS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PARÁ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA PARAIBA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA PARAÍBA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PIAUÍ ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RORAIMA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SERGIPE ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO 2 Revisado HC 143641 / SP PAULO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA BAHIA AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO DISTRITO FEDERAL AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO AM. CURIAE. :INSTITUTO BRASILEIRO DE CIENCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM AM. CURIAE. :INSTITUTO TERRA TRABALHO E CIDADANIA ITTC AM. CURIAE. :PASTORAL CARCERÁRIA ADV.(A/S) :MAURICIO STEGEMANN DIETER E OUTRO (A/S) AM. CURIAE. :DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ADV.(A/S) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL AM. CURIAE. :INSTITUTO ALANA ADV.(A/S) :GUILHERME RAVAGLIA TEIXEIRA PERISSE DUARTE E OUTRO (A/S) 3 Revisado HC 143641 / SP AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA (ABRASCO) ADV.(A/S) :MARCIA BUENO SCATOLIN E OUTRO (A/S) AM. CURIAE. :INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA - MÁRCIO THOMAZ BASTOS (IDDD) ADV.(A/S) :GUSTAVO DE CASTRO TURBIANI E OUTRO (A/S) Ementa: HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS. ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICOS PRÉ- NATAL E PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE OFÍCIO. I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis. II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição 4 Revisado HC 143641 / SP jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal - CPP, o qual outorga aos juízes e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. IV – Compreensão que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma situação processual. V - Tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional VI - A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada àqueles listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim berçários e creches para seus filhos. VIII – “Cultura do encarceramento” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX – Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à 5 Revisado HC 143641 / SP maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidades, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração. X – Incidência de amplo regramento internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. XI – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. XII – Quadro descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal. XIII – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais. XIV – Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas 6 Revisado HC 143641 / SP neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes. XV – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições acima.

    • Sobre o autorCasada com o direito penal, porém, também namora o direito civil.
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